Informativos | Impacto do Corona vírus sobre a quebra antecipada do contrato. A responsabilidade será do devedor?
23/03/2020


Recebo diariamente mensagens sobre o Corona vírus e dúvidas sobre o impacto da doença nos contratos cíveis de do consumidor:

  1. “Aluguei uma casa de praia, mas por causa do Coronavírus, quero pedir meu dinheiro de volta”;
  2. “Se eu deixar de pagar as contas por não poder ir ao banco, pagarei juros? ”.

O Corona vírus é a notícia mais propagada em todo o mundo atualmente. Não à toa, o poder destrutivo dessa infecção respiratória levou a Organização Mundial da Saúde (OMS), a declarar o surto por Covid-19[1].

Basta uma olhadela para o mapa da doença criado pela Microsoft[2] para se ter noção que se trata de pandemia global; e ela chegou ao Brasil trazendo pânico e estimativa de recessão da economia nacional. O impacto da corona vírus é preocupante, tanto na seara comercial como na geração de empregos.

O presidente-executivo do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB), Orlando de Souza, afirmou à agência de notícias Reuters que “O impacto vai ser brutal”. Estima-se que o volume de reservas cairá de 70% a 90% pelo menos até o final de abril.

Nesse arcabouço de eventos imprevisíveis, as relações negociais enfrentarão embaraços. Há de se levar em conta que despesas como água, luz e fatura de cartão-de-crédito chegam todo mês. Some-se a isso os diversos contratos imobiliários e de prestação de serviços ao consumidor.

Posso rever o contrato e pedir meu dinheiro de volta?

Entre credor e devedor há um vínculo jurídico. Os contratos gozam de segurança; provêm da lei e do princípio pacta sunt servanda. Cada parte, credor ou devedor, ostenta uma obrigação que é recíproca. O credor oferece o serviço, que pode ser o aluguel de uma casa de festas; o devedor deve pagar pelo serviço para usufruí-lo.

A impossibilidade de se cumprir uma obrigação sem culpa do devedor advém de caso fortuito e força maior. Trata-se de fato alheio à vontade das partes, a exemplo do Coronavírus que impôs quarentena compulsória a fim de evitar a contaminação.

Mas atenção! a doutrina do Direito[3] apregoa dois requisitos para que não haja culpa do devedor em possível extinção contratual por força maior:

  1. que o acontecimento seja inevitável, sendo impossível de impedi-lo, consoante se denota do art. 393, parágrafo único do Código Civil[4];
  2. ausência de culpa no ocorrido.

Trazendo os requisitos para o caso do Coronavírus temos um evento de força maior, produzido sem a vontade humana, que não se pode evitar ou impedir; que adentrou na esfera do contrato, contaminando seus efeitos legais.

O código Civil dispôs diversos artigos que evidenciam a possibilidade de revisar o contrato se aquele compelir uma das partes em obrigação desproporcional. É dizer, que o devedor deve pagar pelo aluguel de uma casa de praia sem utilizá-la por medo de pandemia. Há evidente desbalanço na relação e a lei assim disciplinou, in verbis:

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

Entretanto, essa força liberatória capaz de afastar responsabilidade civil deve ser analisada pelo juiz, caso não haja consenso entre credor e devedor. O magistrado considerará o estado de coisas, bem como (i) as cláusulas que porventura obriguem a uma das partes ainda que haja evento de força maior; (ii) da mesma forma, se antes do Coronavírus o devedor já estava em mora, o juiz deve observar indenização, se pertinente ao caso.

Interpretando o parágrafo anterior, o devedor não poderá alegar impossibilidade total no cumprimento do contrato, eis que o evento extraordinário do impacto do Corona vírus só poderá aproveitar ao devedor na parte em que foi atingida, ou seja, se o período pandêmico durou 30 dias e o contrato era de 12 meses, a revisão contratual não poderá abranger os doze meses, mas tão somente trinta dias. Assim, o inadimplemento absoluto deve ser investigado pelo juiz com as provas dispostas nos autos.

É mister trazer à baila que em 2010, na epidemia do H1N1, houve entendimento dos tribunais sobre a tese de força maior, o que possibilitou o equilíbrio de diversos contratos afetados pela infecção.

Outro exemplo, o Governo Chinês oferece, desde o dia 30 de janeiro, “certificados de força maior” a empresas locais afetadas pelo surto de COVID-19. O Conselho da China para a Promoção do Comércio Internacional (CCPIT) emitiu 1,615 certificados de força maior para empresas em mais de 30 setores, cobrindo um valor total de contrato de 109.9 bilhões de yuans (aproximadamente US $ 15.7 bilhões), segundo o rfxcel[5].

É por isso que o julgador deverá analisar cada caso em particular, a fim de não danificar o contrato nos setores em que não foram afetados pelo evento infeccioso e, pela experiência jurisprudencial, poderá reconhecer a força maior como o fez no passado.

E como ficam os contratos sob o Código de Defesa do Consumidor?

Até aqui restou claro que uma prestação será injusta se presentes os requisitos acima delineados. Nos contratos de consumo temos uma diferença nuclear: de um lado, o credor como elo mais potente da relação; doutro lado, o consumidor, classificado como parte hipossuficiente pela legislação consumerista como componente a ser protegido.

Nessa esteira, previu o legislador consumerista ser pertinente a revisão nos contratos de consumo se do evento superveniente restou prestação excessivamente onerosa ao consumidor[6].

A análise sob o CDC é simples, pois não há previsão de força maior, apenas a desproporção onerosa, que deverá ser interpretada pelo julgador caso credor e devedor não chegue a ajuste amigável.

Como fazer caso eu saia prejudicado?

 Se você contatou a empresa ou outro particular e não houve acordo, contrate um advogado. O profissional analisará o contrato e os fatos para ingressar com ação judicial cabível.

Mas não se esqueça, se a despesa puder ser quitada por qualquer outro meio sem a necessidade de se sair de casa, providencie! Caso contrário, entre em contato com a prestadora e negocie. O impacto do Corona vírus ainda está sob expectativa. resguarde–se!

[1] MINISTÉRIO DA SAÚDE. Corona vírus é uma família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do corona vírus foi descoberto em 31/12/19 após casos registrados na China. Provoca a doença chamada de corona vírus (COVID-19).

[2] https://www.bing.com/covid

[3] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações. 30a. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. 518 p. v. 2.

[4] Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujo efeitos não era possível evitar ou impedir.

[5] encurtador.com.br/FKLNZ

[6] Art. 6º São direitos básicos do consumidor (…) V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;




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